Artigo
Avisos da Times Square e lições de Krenak
Por Eduardo Ritter - professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Cada vez que eu ia para a Times Square no período em que morei em Nova Iorque, uma década atrás, confesso que ria por dentro ao ver um sujeito magro e cabeludo agitando em meio à multidão uma placa em que estava escrito: The end is coming, ou seja, o fim está próximo. Pensava que o mundo acabaria apenas daqui alguns séculos, quiçá, milênios. Mas, depois de uma pandemia com alto grau de mortalidade bater diretamente na nossa porta e uma sequência de enchentes devastadoras, comecei a levar mais a sério o tiozinho da Times Square. Se estivesse lá, acho que até me juntaria a ele.
Mas já que não posso me juntar ao cabeludo americano, junto-me à proposta do escritor e filósofo indígena brasileiro Aílton Krenak, exposta no título de um de seus livros: Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras, 2020). Escrito há mais de quatro anos, a obra escancara que precisamos urgentemente fazer algo para adiarmos o fim do mundo, pois, do jeito que está, não vamos precisar esperar tanto tempo para presenciarmos o game over da humanidade e de outras inocentes espécies. Como aponta Krenak, tratamos há muito tempo o nosso mundo como se fosse algo descartável, utilizável para consumirmos, como se depois houvesse outro mundo para explorar. Certa vez perguntaram a Krenak: "Você acredita em um novo mundo?", ao que ele respondeu: "Não existe novo mundo. Existe esse aqui que precisamos consertar enquanto é tempo".
O exemplo mais claro no momento para ilustrar a ideia de Krenak é a tragédia que estamos vivendo aqui no Rio Grande do Sul. O jornalista Airton Ortiz apontou em seu livro-reportagem sobre a Amazônia: uma das principais funções da maior floresta do mundo é regular as chuvas no planeta. E o que fizemos? Desmatamos para consumir mais, como se houvesse outra. A conta está chegando e vai aumentar muito nos próximos anos. Ou melhor, como metaforiza Krenak, enquanto seu lobo não vem: "Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso - enquanto o seu lobo não vem -, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós outra: a Terra e a humanidade".
Pois, se você, em 2024, século 21, ainda não se deu conta, agarrado ao seu negacionismo climático, vou lhe contar: sem Terra não tem humanidade. E sem humanidade, você e nem ninguém existirá. Simples, triste e trágico assim.
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